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  • Foto do escritorLaura Assis

Encontro das águas

Amar, algumas vezes, é como estar no olho do furacão. Pode ser que, como disse o querido Jorge Aragão, o amor não seja nada mais que o encontro das águas. Vislumbrando, certa vez, o encontro dos rios Negro e Solimões, no Amazonas, pude captar e compreender muito bem a mensagem que este mestre do samba quis transmitir.

A água destes dois rios, cada um imponente à sua maneira, correm lado a lado por mais de seis quilômetros, sem se misturar, sem que precisem se tornar uma só para formar um único rio, para irem na mesma direção.

As águas destes dois rios se distinguem principalmente pela temperatura, densidade e até pela velocidade de suas correntezas. O Rio Solimões tem a água menos quente e mais densa do que o Rio Negro. Somos assim, todos nós. Cada qual age, vive os momentos e lida com sentimentos com determinada intensidade, que poderíamos comparar à densidade. Algumas pessoas são semelhantes ao Solimões: muito intensas, mandam flores, choram, suspiram... outras são mais razoáveis, como o Rio Negro, menos densas, agem com mais naturalidade perante o amor e outros sentimentos. A temperatura, talvez, poderia ser o quanto somos amáveis ou não - e ser amável definitivamente não implica em amar muito ou pouco. Como disse Shakespeare, se o outro não nos ama do jeito que gostaríamos, isso não significa que ele não nos ame com tudo o que pode, com tudo o que tem. Cada qual ama a seu jeito, coloca em seus atos a intensidade e amabilidade com a qual está habituado.

Para as pessoas Solimões demonstrar sentimentos e ser intenso é algo nato, algo de uma facilidade admirável. Para eles, o amor é algo difuso, que deve ser celebrado e espalhado; encaram o amor como algo que se deve doar a tudo e a todos. São amabilíssimas, carinhosas e extremamente emotivas. Em consequência disso, sofrem um pouco mais do que as outras pessoas, pois quando amam, colocam, direcionam todas as suas forças e habilidades para este sentimento. Buscam amar com perfeição e, quando não dá certo, ficam mais frustradas do que as pessoas do tipo Rio Negro.

O Rio Negro tem águas mais frias, mais calmas e com quase nenhuma presença de sedimentos. Pessoas que poderíamos assemelhar a este rio, tratam o amor no modo "slow down", são mais sensatas e algumas vezes menos amáveis. Assim como este rio, estas pessoas levam um tempo maior para se envolver, vão com calma, pés no chão. Em contrapartida, com a presença quase nula de sedimentos, ao que poderíamos chamar de "bagagens do passado" visto que elas levam mais tempo para amar, mas também um pouco mais de tempo para esquecer, são pessoas mais fáceis de lidar, com menos traumas, menos rancores...

Este fenômeno da natureza ao qual chamam "encontro das águas", onde dois rios com águas completamente distintas, se encontram e correm juntos por tantos e tantos metros nos diz muito mais sobre o amor do que poderíamos supor. Todos somos distintos, dessemelhantes. Uns mais amáveis, porque criaram-se assim. Outros mais sensatos, mais razoáveis.

É preciso perceber que nada disso implica em quantidade, presença ou ausência de amor. É preciso ser mais tolerante com quem se ama, compreender que cada um ama à sua maneira e não se pode moldar o outro à sua necessidade. Antes precisamos analisar quem é a pessoa que temos ao nosso lado, adequar nossas necessidades àquilo que outro sabe oferecer e não simplesmente desistir ao primeiro sinal do que nós, Solimões, chamaríamos de frieza. Para os Rio Negro talvez sejamos amáveis demais ao ponto de incomodar e talvez o outro esteja fazendo uma enorme força para ser paciente com nosso jeito chorão e dodói.

Talvez amar seja isto: contornar as incapacidades do outro, delinear suas melhores qualidades e correr lado a lado, ser do outro, ter o outro sem precisar se misturar a ele. Sem deixar para trás quem você é. Sem tentar tornar o outro naquilo que achamos melhor. Afinal, o amor nos coloca todos os dias numa linha tênue entre o bem e o mal. Temos que estar dispostos, todos os dias, a enxergar o melhor que o outro tem e não apenas vivermos resmungando feito velhas na varanda, reclamando do que falta no outro. Talvez, para o outro, falte muito em nós também...

Portanto, precisamos parar de querer ser retribuídos como achamos melhor e permitir que o outro seja recíproco à sua maneira. Se o Rio Negro e o Solimões se tornassem o mesmo ao se encontrarem, eu não teria vivenciado esse milagre maravilhoso da natureza. Percebam que talvez assim seja o amor: se fôssemos todos iguais, todos idênticos na maneira de amar e viver, não seria necessário o esforço para aprender o outro. Não seria amor. Não seria amar.

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